sábado, 28 de novembro de 2015

TEXTO PARA REFLEXÃO SOBRE O SISTEMA BRAILLE

Caixa de texto: Quando e como ensinar o Sistema Braille para a criança com cegueira?

Profa. Maria da Graça França Corsi

A resposta a esta pergunta parece resumir uma questão central: a alfabetização.
Existe uma diferença crucial entre a construção da alfabetização e o acesso ao Sistema Braille. Embora estes processos caminhem lado a lado, há uma diferenciação em relação à criança vidente, exposta diariamente a um mundo colorido e repleto de informações visuais amplamente captadas pela visão, que associadas ao interesse e a curiosidade natural das crianças, colabora com a ampliação de seu vocabulário e formação de imagens mentais que conectadas à função dos objetos, figuras e a relação com o meio favorecem a construção do conhecimento neste mundo letrado. A profusão de palavras, frases, slogans, propicia a vivência, a compreensão e a pseudoleitura, fatores indispensáveis à alfabetização de qualquer criança.

A preocupação dos pais e professores quanto ao melhor momento para iniciar a alfabetização da criança com cegueira é fator preponderante na questão escolar. Parece que toda experiência pré-escolar perde sua riqueza e significado, frente a estes importantes instrumentos de comunicação: a leitura e a escrita.

A criança com deficiência visual necessita ter experiências variadas e concretizadas por meio de objetos, brincadeiras, jogos, situações do cotidiano e da relação com o outro. Tornando cada uma delas, percebida, sentida e vivenciada na situação real.

É por meio do corpo que se aprende e se conhece o mundo, reconhecendo a si mesmo, o outro, os objetos, os ambientes. Portanto, a constituição de corpo e sujeito ocorrerá mediante uma gama de oportunidades favorecidas pela interação com a família e as pessoas ao redor e contextualizadas nas experiências do cotidiano.

A construção de conceitos e sua internalização se dará também pela conceituação e estruturação do esquema corporal, relações temporais e espaciais, coordenação dinâmica global e manual, desenvolvimento das habilidades táteis e cinestésicas, atenção, concentração, memória e raciocínio. A troca entre a família, a professora e as crianças, fortalecerá a convivência, socialização, ampliação do vocabulário, o respeito, contato com as regras sociais, a oportunidade de falar e esperar sua vez, de intermediar e agir de maneira positiva e participativa.

Para que essas ações se concretizem é preciso que haja comunicação.
A comunicação é a maneira encontrada pelo ser humano para transmitir idéias, conceitos, dialogar, discutir. Deste modo, inicia-se muito cedo.

A mãe começa a se comunicar com seu bebê ainda na gestação. Ela acredita que ele a compreende e estimula a “conversa”, modulando a voz, aumentando e diminuindo a entonação, cantarola as cantigas de ninar e bem querer e acaricia sua barriga. Embora o bebê não possa compreender, a mãe se faz reconhecer insistindo nesta comunicação que se efetivará após o nascimento. Neste momento tão esperado, estará pronta para embalar, acariciar, aproximar-se, sorrir, tocar seu corpo, segurar sua mão, concretizando a apresentação e estabelecendo o vínculo com ele. Ao sentir que é bem vindo, torna-se receptivo e a convivência se fortalece. (Martin e Bueno, 2003)

Aos poucos a criança evolui e logo inicia os balbucios, motivando a família a repeti-los e valorizá-los, o que a estimula a continuar. A presença da mãe constitui um elemento importante, pois se torna um modelo para sua aprendizagem, construção da linguagem e vida cotidiana. É a pessoa querida e de confiança que a estimula a dar os primeiros passos e a enfrentar os desafios. A presença da cegueira poderá provocar dificuldades na formação de vínculo com a mãe, comprometendo a comunicação, devido à falta do contato visual.

As brincadeiras e trocas vocais são canais abertos para que a criança se comunique com seus pais. Cabe ressaltar que a criança com cegueira possui condições para a aquisição da linguagem e poderá surpreender sua família tanto para se comunicar, quanto para compreender o que lhe é dito e apresentado.

A criança vidente recebe grande quantidade de estímulos, além de perceber os gestos, expressões e imagens carregadas de significados, que por si só expressam a ação sem serem verbalizadas.  Para que a criança com cegueira se aproprie deste conhecimento e incorpore esta outra forma de se comunicar, precisará do toque e contato pele a pele para perceber as diferentes expressões: sorriso, espanto, aborrecimento, piscar dos olhos, o movimento dos lábios; acrescentando palavras e outros gestos que significam sim e não, positivo, alô, até logo. Fatores que contribuirão enormemente para o reconhecimento de si mesma, já que as brincadeiras em frente ao espelho de sua casa, não lhe servirão de estímulo. Neste aspecto, haverá prejuízo para as crianças com cegueira. A limitação em visualizar aquilo que não é dito e a impossibilidade de acesso a essas informações, suscitam atitudes vitais. Compete aos pais e professores, apresentar os objetos, incentivar a exploração tátil, explicar sobre sua função e demonstrar como se utiliza.

Os gestos e expressões faciais podem parecer comprometidos, mas a cegueira não constitui um obstáculo para o desenvolvimento e aquisição da linguagem, que precisa ser mediada de modo significativo, para que a criança compreenda o que está acontecendo ao seu redor. Daí a importância da antecipação dos eventos. Imagine-se adormecido em sua cama e ser despertado com o som de uma furadeira acima de sua cabeça. A primeira reação será de susto. É fundamental proporcionar experiências e possibilitar a interação entre a criança e o objeto ou acontecimento. Valorize cada som e aproxime dela o objeto, permitindo que perceba onde está localizado, visto que não o fará visualmente, nem tampouco apontará para ele, informando que o deseja. Este interesse despertado pela visão faz com que as crianças videntes olhem na direção das pessoas, objetos e acontecimentos. A falta de visão poderá despertar maior interesse pela audição e ao invés de “olhar”, a criança poderá virar a cabeça na direção do interlocutor. Aspecto que pode não ser compreendido pela família.

Interagir com a criança para intermediar o contato com os objetos e acontecimentos, atribuindo nome e função, favorece a ampliação de um vocabulário significativo e não meramente repetitivo. Portanto, são indicadas as brincadeiras de faz-de-conta que simulam as situações do cotidiano. A criança que vê as reproduz por meio da imitação visual e precisamos brincar com a aquela que não vê para aproximá-la dos objetos e brinquedos que auxiliarão neste processo de construção, organização da linguagem, pensamento, levantamento de hipóteses e elaboração das informações presentes na situação vivenciada.

As palavras são encantadoras para as crianças e repeti-las constitui um jogo interessante. As crianças podem repetir as palavras que ouvem pela sonoridade, mas nem sempre pelo significado. Muitas vezes, a família reforça este “jogo”, levando a criança a uma repetição inconsistente e desvinculada de qualquer significado. Estes estímulos devem ser associados ao contexto, para que sirvam de orientação à criança.
Em casa há vários ruídos presentes no ambiente e tendemos a nos concentrar naquele que desperta nosso interesse e atenção. A criança que está em seu quarto ou na sala, cercada por seus brinquedos, ouvirá o ruído do liquidificador na cozinha ou da TV. Pouco lhe servirá, dizer que o liquidificador está ligado. É preciso que ela vá até ele, possa manuseá-lo desligado, verificar as partes que o compõem, perceber que dentro do copo há uma lâmina cortante e perigosa. É preciso ainda dizer-lhe para que serve e acompanhar a transformação do alimento que pode ser um suco ou a sopa.  Já a criança que vê, percebe o barulho e desloca-se até a fonte sonora, aproximando-se para examinar melhor.

A criança com cegueira também é curiosa e tem interesse pela investigação, porém necessita de estímulo e motivação para que a experiência seja realmente proveitosa. Apenas dizer-lhe o que está acontecendo não reúne informações suficientes.

A construção da aprendizagem e a formação de conceitos se dará de modo particular nas pessoas com cegueira, pois sua maneira de conhecer e interpretar o mundo é diferente das pessoas videntes. Os objetos precisam ser tocados e as oportunidades muito variadas em relação às experiências táteis.
Este contato com objetos de diferentes formas, tamanhos, texturas, peso, temperatura, devem incluir o desenho e as representações em relevo, como figuras, tabelas, gráficos, diagramas. A criança precisará de grande refinamento tátil para reconhecer, discriminar e ler os pontos que formarão as letras, por isso não basta trabalhar somente com os objetos do cotidiano.

As atividades escolares ainda na educação infantil proporcionam o contato e a vivência com diferentes materiais. Além de jogos e brinquedos, a criança recorta, pinta, cola, modela e desenha. E o Braille? Estará presente em toda parte, nomeando seus utensílios pessoais, os objetos e cantinhos que compõem a sala de aula. Deste modo, a criança estará em contato direto com as letras, mesmo que ainda não possa reconhecê-las completamente. Os jogos com as letras móveis, também estarão disponíveis, desde que haja uma estreita relação entre a escola regular e o professor especializado. As adequações curriculares dependerão do trabalho conjunto e da elaboração do plano de inclusão, valorizando as conquistas, pois o currículo deve ser acessível a todos os alunos para que aprendam juntos.

Há uma diferenciação entre o acesso ao sistema Braille e a alfabetização. A criança com cegueira precisará ser motivada a reconhecer os pontos em relevo e podemos oferecer jogos e atividades gráficas que favoreçam o refinamento da percepção tátil.

A exposição aos estímulos táteis é cansativa para a criança, uma vez que utiliza um canal sensorial diferente das crianças videntes, as mãos. Estudos têm apontado que a leitura tátil é três vezes mais fatigante do que a visual, devido ao fato de ser mais vagarosa, exigir adequado posicionamento dos braços e mãos, sendo necessária força e destreza manual para deslizar levemente os dedos sobre o texto. As variações na temperatura como frio e calor intensos, podem provocar a diminuição da sensibilidade tátil (Bertelson, 1991). 
Ao nos depararmos com um texto, leremos o título num relance, mas a pessoa com cegueira o fará de modo muito diferente. Em contato com o mesmo texto escrito em Braille, precisará apoiar as mãos e dedos sobre ele e reconhecerá com a polpa do indicador apenas uma letra, isto é, um conjunto de caracteres em relevo que formam a primeira letra do título. Sendo necessário deslizar os dedos para que a leitura da palavra seja concluída ponto a ponto.

O posicionamento adequado das mãos sobre o texto, também é relevante para que a criança seja um bom leitor no futuro. Há três maneiras de fazê-lo:
- utiliza-se apenas uma das mãos e a leitura é feita com a “polpa” do dedo indicador da mão direita, que desliza sobre a linha explorando o texto; sendo o indicador da mão esquerda usado apenas para mudança de linha.
 - os dois indicadores exploram juntos a linha, movimentando um dedo ao lado do outro. Esta maneira é chamada de “exploração conjunta”.
 - na terceira, conhecido como “exploração independente”, os dedos realizam movimentos independentes ao longo da linha. Até a metade da linha a exploração é feita com os dois dedos, a seguir o indicador da mão direita desliza até o final, enquanto o indicador esquerdo localiza o início da linha seguinte, quando o indicador da mão direita ao passar para esta linha dará continuidade à leitura.

A escrita e leitura devem ser igualmente valorizadas, por meio de atividades interessantes para evitar exercícios repetitivos e sem significado. É importante possibilitar o contato com as palavras, frases, textos e livros de história infantil, substituindo a representação em tinta pelo desenho em relevo ou por objetos concretos, permitindo a interação da criança com os personagens. As atividades devem possibilitar o contato com os pontos em relevo, perceber as diferenças entre eles e motivar a criança a ler, observando-se o adequado posicionamento das mãos.

Outro aspecto importante a ser definido, diz respeito ao material utilizado para escrever. Atualmente, muitas crianças possuem a máquina de datilografia Braille e devem fazer uso dela diariamente, em casa e na escola. Outras crianças ainda precisam da reglete, que exige maior esforço, lentidão e a necessidade de manter a posição de escrita, inversa à posição de leitura, evocando o princípio da reversibilidade. É importante que a criança aprenda a manejar adequadamente seu material, como aprender a colocar o papel na máquina ou na reglete, compreender seu funcionamento e desenvolver habilidade suficiente para evitar o desperdício de tempo durante a execução da atividade.

A leitura constitui o veículo de cultura que a pessoa com cegueira não pode prescindir e por isso, deve estar acessível a todas as crianças, possibilitando sua autonomia e independência na expressão de seus sentimentos, desejos e na comunicação com o outro.
 

Referências Bibliográficas:

_____ Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O acesso de pessoas com deficiência às classes e escolas comuns da rede regular de ensino. Brasília: PFDC, 2003.
_____ Ministério da Educação, SEE. Estratégias e orientações pedagógicas para a educação de crianças com necessidades educacionais especiais: dificuldades de comunicação e sinalização: deficiência visual. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC / SEESS, 2002. 82 p.
Corsi, Maria da Graça França. Visão Subnormal: intervenção planejada. São Paulo: Impressão Editora Vida e Consciência, 2001. 122 p.
_____ Maria da Graça França. A inclusão escolar do aluno com deficiência visual. Monografia. São Paulo: FMU, 2003. 44p.

Filmes para assistir e pensar:

Diário de uma babá
Vermelho como o céu
A cor do paraíso
O milagre de Annie Sullivan

LINHAS DE ENSINO: VISÃO GERAL


  LINHAS DE ENSINO 
  
Construtivismo / Estruturalismo de Piaget
Principais Características:
Toda criança tem um mecanismo natural de aprendizagem e adquire certas noções na própria interação com o meio em que está inserida. Neste método, as atividades são propostas de acordo com os interesses dos alunos.
Bases históricas
As bases do método estão nas ideias do filósofo Jean Piaget (1896-1980), segundo quem as crianças compreendem espontaneamente o mundo através da assimilação e da acomodação deformando a realidade a fim  de entendê-la.

Construtivismo/Pós-piagentiano
Principais Características:
Enfatiza a influência  da experimentação no aprendizado: pesquisas, estímulo à dúvida e desenvolvimento do raciocínio. O aluno participa ativamente da “construção” de seu conhecimento, mas o papel do professor na transmissão da informação não é deixado de lado.
Bases históricas
O método vem sendo desenvolvido até hoje, mas suas bases recaem sobre os estudo da argentina Emília Ferreiro (ex colaboradora de Jean Piaget).
Montessori
Principais Características:
Os princípios fundamentais são: atividade, individualidade e liberdade. O professor é um observador, um guia para que a criança se auto eduque. A criança escolhe o material a ser utilizado, mas as opções já foram pré-estabelecidas pelo professor. Utiliza cinco materiais  básicos : Exercícios para a Vida Cotidiana, Material Sensorial, Material de Linguagem, Material de Matemática e Material de Ciências.
Bases históricas
O método montessoriano foi desenvolvido pela acadêmica italiana  Maria Montessori (1870-1952) no início do século 20.


Pragmatismo
Principais Características:
A inteligência é um instrumento da aprendizagem, portanto o método privilegia a prática, ao contrário do método tradicional.
Bases históricas
O Pragmatismo é uma escola filosófica e a corrente pedagógica foi criada pelo norte-americano John Dewey (1859-1952).


Pedagogia da Libertação
Principais Características:
Educação voltada para discussão dos temas sociais e políticos do País e do mundo, na qual é eliminada a relação de autoridade entre professor e aluno.
Bases históricas
As origens do método estão na educação popular dos anos 1950 e a base pedagógica está nas teorias de Paulo Freire (1921-1997).

Pedagogia Renovada
Principais Características:
O centro da sala de aula não é o professor nem o conteúdo, e sim o aluno. A aprendizagem se dá pela descoberta  das crianças, por meio da experiência, a partir de seu próprio interesse por cada assunto.
Bases históricas
O método baseia-se no movimento Escola Nova, da década de 1930, que defendia a universalização da escola pública, laica e gratuita.

Tradicional
Principais Características:
Predominância de aulas expositivas, em que a função do professor é a principal dentro da sala - sua postura é autoritária. O aluno deve assimilar o conteúdo por meio das aulas e exercícios.
Bases históricas
Modelo instituído pelo Iluminismo francês no século 18.

Waldorf
Principais Características:
Os alunos são divididos em faixas etárias, e não em séries ( as crianças dos 7 aos 14 anos estudam juntas). O método utiliza muitas atividades artísticas, além de artesanato. O pensamento puramente abstrato é inserido apenas durante o ensino médio.
Bases históricas
A pedagogia Waldorf baseia-se na antroposofia, corrente filosófica desenvolvida por Rudolf Steiner  (1861-1925), segundo o qual o ser humano é constituído por três elementos: corpo, alma e espírito. Além da educação, a antroposofia também tem correntes na medicina e na agricultura.